A imagem do cigano ladrão.
Talvez nenhuma imagem dos ciganos seja mais antiga, mais divulgada e por isso mais difícil de ser modificada do que aquela de que o cigano sempre foi, ainda é, e sempre será um ladrão, quando não apanhado em flagrante, pelo menos um ladrão em potencial. A fama de serem ladrões persegue os ciganos desde a sua chegada na Europa, no início do Século XV.
Não resta dúvida de que entre os ciganos de então, como ainda hoje, havia quem, por motivos dos mais diversos - mas principalmente para a família, a mulher e os filhos não morrerem de fome ou de frio - , furtava pequenas quantidades de animais, frutas, legumes ou tubérculos, ou lenha para cozinhar e se aquecer. Os animais preferidos eram aqueles que serviam para a alimentação daquele dia, ou seja animais pequenos que cabem facilmente numa panela ou no espeto, como galinhas e gansos. Os documentos históricos não registram o roubo e a matança de gado bovino, embora às vezes um leitãozinho ou um bode também não eram desprezados. Mais tarde surgiu ainda a fama de eles serem ladrões de cavalos e de criançinhas. Hoje em dia, pouca coisa mudou e os ciganos continuam temidos como ladrões de galinhas e até a lenda de eles roubarem criançinhas continua viva.
Obviamente, nem tudo é pura invenção ou fantasia. Quanto ao furto de alimentos e de pequenos objetos, os próprios ciganos não negam que, quando necessário, o praticam e que suas idéias sobre a propriedade privada divergem um pouco das idéias dos gadjé, mas que também existem algumas regras básicas.
Em primeiro lugar, os ciganos só furtam quando obrigados a isto por necessidade. Yoors, um belga não-cigano, que conviveu uns dez anos com ciganos Lowara na Europa, explica isto melhor: “Por força de circunstâncias adversas, alguns ciganos são forçados a praticarem ladroagem de subsistência [subsistence thieving] - isto é, obter suas necessidades diárias mínimas da terra ou de seus proprietários legais: capim para seus cavalos, lenha, batatas ou frutas, e naturalmente a proverbial galinha perdida. De um modo geral, eles consideram todo o mundo gajo [não-cigano] como um domínio público”. [15]
Diga-se de passagem que a maneira mais comum de os ciganos obterem estes bens é através da compra. Mas o que fazer quando não possuem dinheiro para isto ou, o que também é muito frequente, quando o proprietário ou o comerciante simplesmente se recusa a fazer negócios com ciganos? Não será por causa disto que os ciganos deixarão seus filhos passar fome, ou de alimentar seus animais. E neste caso, apropriar-se de tudo que é produzido pela Natureza (água, capim, lenha, ovos, galinhas etc.) não é crime. Uma galinha ciscando num lugar deserto é propriedade de quem? Por acaso, pode ser proibido tirar leite de uma vaca pastando livremente na beira de uma rodovia, ou seja num pasto público? Da mesma forma, como é que cortar lenha para cozinhar pode ser crime, mesmo quando o matagal inútil está numa área cercada com arame farpado? E encontrando uma fruteira, será que é crime tirar algumas frutas para consumo próprio? Na ótica de muitos ciganos tudo isto permitido, e por isso conflitos e mal entendidos entre ciganos e gadjé são às vezes inevitáveis.
A segunda regra é furtar apenas aquilo que, naquele momento, é necessário para seu sustento, e não para enriquecer. Yoors acrescenta que “Putzina me explicou que furtar dosgadjé não era realmente um crime desde que fosse limitado a tomar necessidades básicas, e não em quantidades maiores do que necessárias para aquele momento. O que tornava furtar ruim, era a introdução de um senso de cobiça, porque esta tornava as pessoas escravas de anseios desnecessários ou do desejo de possuir bens”.[1] Daí porque a quase totalidade dos furtos atribuídos aos ciganos se refere a alimentos.
Uma terceira regra é nunca usar a força física, mas apenas a esperteza. Segundo a antropóloga brasileira Sant’Ana:
“com relação ao roubo, um informante [cigano] frisou que nunca se ouviu dizer que um cigano usasse armas para assaltar alguém e nem que fosse à noite nas casas para roubar: ‘Ele usa de esperteza tanto em seu trabalho como em seus negócios; se alguém se deixa enganar, bobo dele!’. Além disso, como disse um cigano, ‘quem é que não rouba? Esses comerciantes por aí, esses donos de lojas da cidade, todos usam de esperteza em seus negócios; é que cigano já é marcado e por isso tem fama de ladrão’”.[2]
"... sempre levamos a fama de ladrões de crianças, quando, na verdade, os acampamentos dos nossos antepassados, durante muitos séculos, serviram de orfanato da época, já que eram utilizados para ocultar atos julgados vergonhosos, desmoralizadores e desonrosos praticados pelas jovens da nobreza. Muitas dessas jovens - segundo relatos dos nossos antepassados - após darem à luz, através de seus responsáveis .... entregavam as crianças às velhas ciganas ... Os ciganos ficavam com as crianças porque as amavam .... sem, no entanto, sequestrá-las, violentá-las ou estuprá-las ..." . [6]
Os ciganos adoram crianças e já desde o Século XV temos notícias históricas, devidamente comprovadas, de mães gadjé solteiras, ou casadas adúlteras, entregando seus filhos indesejados às ciganas. Enquanto isto, os documentos históricos provam, sem qualquer sombra de dúvida, que em muitos países, e ainda em pleno Século XX, milhares de crianças ciganas foram violentamente arrancadas do lar paterno para serem entregues a pais adotivos não-ciganos.
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